19h! Neste momento revejo os meus pais e o meu irmão a
sorrir, a disfarçar o medo e o nervosismo. Aquele momento poderia nunca mais
acontecer! Mas o apertar de mão do Marco, como sinal de que tudo iria correr
bem, era a nossa força. Ele acreditava tanto quanto eu.
Foi tão rápido: “Até já” , um sorriso e um aceno. Fecharam-se as portas. Eles do
lado de fora com um misto de força e medo. Eu no bloco operatório a sorrir e a
acreditar que ali estava a hora do meu novo começo. (ainda me arrepio a pensar
nisto.)
11! É sempre inacreditável cada ano que passa após o meu transplante
bi-pulmonar.
11 anos se passaram e tantas coisas aconteceram.
À pouco disseram-me que foi para esta conquista que lutei
e que foi uma escolha minha viver e ser forte. Foram as palavras mais acertadas
para o dia de hoje. A Fibrose não foi uma escolha minha, nasci com a doença e
nada pude fazer para não a ter. Mas acreditar que conseguia vencer, acreditar
que era capaz de ultrapassar todas as batalhas e que seria vencedora foi sim
uma escolha minha. Escolha essa amparada pelo meu extraordinário marido, pela minha inacreditável família e
amigos incríveis.
A conquista do “acreditar que tudo irá correr bem” só foi possível porque
sempre tive uma equipa médica que de uma forma imparável lutou sempre ao meu
lado, com os melhores antibióticos, com os tratamentos mais acertados e uma
dedicação extrema para que estivesse nas melhores condições possíveis de
aguentar o transplante quando chegasse o grande dia!
E assim foi! Hoje festejo um dos dias mais felizes, o dia em que a minha vida
renasceu.
É difícil explicar o que sinto quando penso que tantos
anos já se passaram e que muitas foram as conquistas, mas também os medos e
alguns retrocessos. Não é fácil saber gerir tudo isto, mas é tão fácil
acreditar que merecemos ser felizes mesmo com a Fibrose Quística.
Este blogue sempre se manteve ativo pela troca de
experiências que sempre houve entre mim e os seguidores e já partilhei convosco
histórias de pessoas inacreditáveis que conheci graças à doença. Este é o ponto
em que a FQ não nos tira nada, mas dá-nos tanto. É na partilha de testemunhos
que já ajudei muitos doentes a aceitar a FQ, a não rejeitar um transplante pulmonar
e hoje particularmente, após ter sido criado um grupo especial só com doentes,
familiares e equipas médicas da FQ, tenho um orgulho imenso de partilhar
convosco duas pessoas, das muitas do grupo, que são um exemplo na nossa doença.
Eles têm realidades muito diferentes da doença e ambos em lista de espera para
transplante pulmonar, mas têm uma forma de encarar que nos deve encorajar a
todos.
A Inês é um exemplo muito parecido comigo, uma jovem que se
recusa a desistir de lutar, tem uma força de viver e revejo-me tanto na
história dela. O avanço da doença e tudo o que diariamente tem de adaptar na
sua jovem vida faz dela um exemplo de superação diária.
"Chamo-me
Inês tenho 22 anos de Matosinhos.
Fui
diagnosticada com Fibrose Quistica mal nasci, isto só aconteceu porque tive de
ser operada ao intestino devido a uma obstrução horas após ter nascido, esse
momento alterou a vida dos meus pais de maneiras que eles não estavam a espera.
Após
esse acontecimento, só vim para casa com 6 meses. Mas era tão ativa e feliz não
tinha nenhum sintoma da Fibrose Quistica, os meus pais até achavam estranho. A
minha realidade desde pequena é tomar medicação sempre e não eram poucos
comprimidos ainda juntava uma mãozinha. Comecei a fazer Ballet que era e é o
que mais adorava fazer, e ajudava muito em termos pulmonares por ser uma
atividade física muito exigente. Quando os meus médicos disseram aos meus pais
que eu ia ter de deixar o ballet, por causa de ter inícios de osteoporose,
deixar foi a coisa mais difícil que tive de fazer ballet estava no meu sangue e
eu já fazia ballet à 10 anos. Depois de deixar o ballet tive a minha primeira
crise pulmonar e tive de ficar internada.
Por
causa dos internamentos que começavam a ser muitos e seguidos. comecei a
concentrar as minhas energias a estudar, porque ajudava abstrair-me de estar
fechada num quarto. Acabei por me apaixonar por ciências e arte.
Aos 15
ou 16 anos o meu pediatra disse que eu ia entrar para a lista de espera para o
transplante, mas nesse momento estava na inativa. Não me lembro quando passei para
a lista ativa mas devo estar nessa à 2 ou 3 anos. Um problema que eu tenho
ligado a doença é má absorção de alimentos por isso tenho baixo peso e tenho
tentado ao máximo ganhar peso, para ter um transplante mais seguro. A partir
dos meus 18 anos os internamentos foram muito mais e com mais duração. As
minhas bactérias estavam resistentes a quase todos os antibióticos já ia e vou
na ultima etapa deles. Mas tinha altos e baixos por isso ou estava muito bem ou
tinha uma recaída grande.
Aos meu
21 tive um pneumotórax, algo que nunca pensei que me fosse acontecer e quando
penso nisso, parece que foi à tanto tempo. Foi um momento negro porque estive
mesmo mal ao ponto de dizerem aos meus pais que eu estava mais para lá do que
para cá. Tive de ser transferida para o São João para fazer um procedimento mas
eles também não quiseram arriscar. Por isso a minha única solução era esperar e
curar sozinha, estive 2 meses e meio no hospital a fazer repouso total, só pude
vir para casa porque prometi a médica que ia parar um ano da faculdade. Passado
mais dois meses de descanso consegui curar o que eles disseram que não ia
conseguir. Neste momento estou bem mas tenho muito cuidado e resguardo-me
bastante. Esta é a minha história.
Apesar
da doença que tenho, continuo a sonhar. Todos conseguimos fazer o que pomos a
nossa mente a pensar."
O Luís é o verdadeiro exemplo de adaptação da doença. Diagnóstico
tardio e viu-se do dia para a noite a mudar a vida dele. Mas se há algo que o
caracteriza é o seu sorriso e vontade de viver. Tem uma garra capaz de virar o
mundo e uma coragem de viver até que a doença o permita. É o meu parceiro das
batalhas diárias da FQ e que diariamente aprendo com a sua vivência também.
"Sou o
Luís tenho 29 anos e tenho FQ, a minha história é um pouco diferente pois só
descobri a doença em 2011, tinha eu 20 anos, a idade da chamada “loucura”
aquela idade que todos gostamos de ter, porque começamos a ter a nossa
independência, queremos fazer mil e uma coisa. Mas comigo foi tudo muito
diferente, tive que começar do zero. Sim
porque a minha vida mudou completamente, não logo após eu saber da doença, porque
ainda estive cerca de 7 anos a ser seguido numa especialidade de pneumologia no
hospital de Penafiel, que não tinha aquele conhecimento da doença, não sabia a
gravidade nem o que me poderia causar no futuro.
Desde
aí a minha vida mudou um pouco, porque começaram a vir vários sintomas, mas
continuei a minha vida como se não fosse uma coisa muito grave porque ninguém
sabia esclarecer o que era mesmo a FQ. Isto ainda não é nada, só em 2018, cerca
de 2 anos, foi aí que finalmente decidiram que eu iria ser seguido no hospital
de São João, em FQ. Eu sem nada saber até á minha primeira consulta, pois na
minha ideia iria dar continuidade ao que fazia no outro hospital, por isso até
aí tranquilo, soft. Então chega a minha primeira consulta no meu “novo”
hospital, não vou mentir sempre com nervosismo miudinho, e então desde aí a
consulta durou imenso, conversamos eu contei tudo que tinha feito até aquele
dia, e toda a gente ficou surpreendida, toda a gente olhava para mim, e eu sem
saber o porquê, e o que se estava a passar. Surgiram várias perguntas da minha
médica, enfermeira etc, e eu respondia e sempre aquelas caras de surpreendidas.
Quando comecei a ouvir a minha nova médica, aquela que me iria seguir nesse
hospital, comecei logo a perceber que a
minha doença era mais grave do que eu pensava, não fiquei logo esclarecido na
primeira consulta, mas existe um pormenor que aconteceu nesse dia. A “ficha”
começou a cair-me quando no final dessa mesma consulta eu tive que passar pela
farmácia do São João, onde teria que ir buscar a minha medicação, onde eu no
hospital anterior andei 7 anos da minha vida com uma bomba que se chama
(formoterol) então chegou a minha vez, e a farmacêutica estava ir buscar imensa
medicação, eu na minha inocência ainda perguntei se não estava enganada, mas
sim aquela medicação era a minha mesmo, sai de lá com sacas cheias. Depois nas próximas consultas vi e ouvi que
essa doença não era grave, mas sim muito grave.
A
partir desse dia, todos pensavam que eu iria a baixo, pois conhecer a realidade
da FQ aos 27 anos não é fácil, porque temos que mudar radicalmente. Mas nunca
fui a baixo, nunca mudei, nunca perdi o meu sorriso, mas acima de tudo nunca
deixei de ser quem era, NUNCA. Tenho um enorme carinho por todos os
profissionais de saúde na área de pneumologia do hospital de São João, para mim
são uma família, desde médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde.
A FQ
não mudou a minha vida, eu é que me adaptei a ela, porque jamais uma doença irá
“mandar” em mim, mas sim eu é que vou lutar, e essa doença é quem tem que ir para
onde eu quero, que é para o caminho do sucesso! Mas vamos ter calma, porque
também tenho medos, sim ninguém é de ferro, e a parte que mais me assustei
neste processo todo foi mesmo quando soube que teria que ir para uma lista de
transplante! O choque foi muito grande. Chorei mas tão depressa me levantei e
passado uma semana disse SIM a essa batalha, vamos em frente com tudo, se é o
que me espera vamos lá.
Tive
altos e baixos, como qualquer ser humano tinha, mas em 2020 conheci uma pessoa
que é muito especial para mim, a Lipa, a nossa menina transplantada que me tem
dado tanto, tem me dado tanta, mas tanta força neste processo, que o grande
agradecimento que eu vou ter para com ela vai ser sem dúvida acordar daquele
transplante e dizer-lhe “Eu consegui”.
Para
finalizar quero deixar uma palavra a todos os doentes de FQ, nunca deixem de
sonhar, tudo é possível, a nossa vontade de viver irá superar tudo! Da minha
parte nada mudará, continuarei como sempre, sorriso nos lábios e com garra de
ganhar a próxima batalha !!! Que será a derradeira etapa da minha vida."
em momentos de isolamento em vídeo chamada
São estas partilhas que tornam a FQ especial e que tornam cada um de nós um
exemplo de superação, garra e de como conseguimos sorrir e aprender a sermos
felizes com uma doença rara e crónica.
Obrigada por todo o vosso carinho, pelas vossas palavras.
Um abraço à distância a todos os que de longe e de perto acompanham e continuam
a dar-me força e a seguir a minha história.