sábado, 21 de novembro de 2020

Dia Europeu da Fibrose Quística: igualdade de acesso às novas terapias.

Hoje comemoramos o Dia Europeu da Fibrose Quística e é mais um dia em que a divulgação da doença nunca é demais. A FQ é muito mais que a doença pulmonar e com algumas complicações digestivas e no pâncreas, que podem ter acesso numa rápida pesquisa do Google.

É uma doença que nos ensina a relativizar tanta coisa desta vida. Imaginem-se na vossa adolescência a querer aproveitar todas as oportunidades e de repente: saem da cama e estão cansados, tomam banho e estão cansados, sobem escadas e estão cansados e num curto espaço de meses o vosso oxigénio já não é suficiente e quando dão por vocês andam com uma garrafa de oxigénio para todo o lado e o vosso corpo não responde aos estímulos que por muita vontade e garra que tenham, ele teima a não fazer nada do que pensam. Pois bem, este é o cenário que foi a minha vida e que infelizmente é o de muitos jovens neste momento com FQ.

O que pensar? O que fazer? Eu percebi de imediato que tinha os melhores do meu lado, sejam os meus amigos ou familiares – pessoas inacreditavelmente bondosas e que lutam ao meu lado como da vida delas próprias se tratasse. E se isto resolve o nosso estado? Não, claro que não, mas ajuda tanto a acordar todos os dias e contrariar o cansaço que teima não nos largar.

As soluções são sempre muito escassas: antibióticos orais, depois pela veia e começam cada vez a ser menos porque os nossos pulmões conseguem perder o “medo” e ficam resistentes. Aqui só se falou numa solução, que tinha tanto de certa como de incerta: Transplante Bi Pulmonar. E perguntam-se: “Vamos avançar?”. O medo é ultrapassado por uma vontade enorme de viver e não há como dizer que não. Alguém diz que não à vida? Alguém consegue dizer que não quer continuar a viver e a fazer de tudo para que consiga respirar? Claro que não e eu não fui excepção.

6 de Abril de 2019, os caminhos apontaram todos a direcção de Lisboa – Hospital de Santa Marta e fui eu luta mais vitoriosa e alucinante da minha vida – entrar num bloco operatório com uns pulmões e sonhar sair a respirar com outros doados – só de ler acho que percebem o quão doido é tudo isto. Onze anos e meio cá estou eu a comemorar este dia com um sorriso tão feliz e a sentir-me tão leve por ter acreditado em profissionais tão humanos e especiais, que foram todos os que me seguem.

Neste momento de covid-19 somos considerados de risco, com todos os cuidados e mais alguns. O que nos faz mais falta? O toque de todos os que nos amam e nos dão a mão durante este processo. A falta do toque é também o que sentimos entre nós doentes de FQ (devido ao perigo do contágio das bactérias) quando não nos é permitido estar com os que lutam tanto como nós e nos percebem tão bem – a nossa luta é tão “igual”.

Todos queremos o mesmo: Viver, Respirar e Sermos Felizes.
Percebem o quão é simples vocês conseguirem ter tudo isto? A FQ tem sofridos grandes avanços terapêuticos que têm em vista aumentar a qualidade de vida, que nos é retirada pela doença. Estamos numa fase que isso nos está a ser também tirado, querem-nos afastar a oportunidade de igualdade de tratamentos.

Tudo o que vivemos e sofremos, dá-nos ainda mais garra para viver e para lutar contra o que as estatísticas nos dizem. Nós conseguimos vencer, não será o nosso corpo a vencer-nos pelo cansaço. Connosco será diferente. Enquanto houver oxigénio, sairemos à rua, a sorrir e a fazer a nossa vida valer a pena.

Nós não deixaremos que nos rasguem os sonhos, que nos tirem a garra e vontade de viver nem que nos cortem a respiração.

#NãoPodemosEsperarMais



segunda-feira, 20 de julho de 2020

20 Julho: um dia especial


Dizem que hoje festeja-se o “Dia do Amigo”, “Dia da Doação de Órgãos” e o “Dia do Transplante” e é possível falar sobre estes três dias falando de três pessoas muito importantes para mim.
Todos eles são diferentes em personalidade e objectivos de vida, mas temos algo que nos une: a doença que temos, Fibrose Quística, e a forma como lutamos para sobreviver todos os dias.
Todos estamos ligados ao transplante, uns já fizemos e elas estão a passar por esse processo. E obviamente o tema da doação de órgãos também nos é muito querido.

O Luís é o meu parceiro da FQ, transplantado à uns dois meses, e sem dúvida que partilhar toda esta experiência tem sido alucinante. Ele é a motivação em pessoa. Sempre com o seu sorriso e a lutar em frente, com medos mas sempre a enfrentá-los. É impossível ficar indiferente ao seu percurso até aqui. Ele é um amigo para a vida. E acredito que a vida só agora o está a surpreender de projectos e coisas boas.


A Inês, a minha Nês, é a minha princesa. É a minha força! Tão semelhante a mim, na forma como vê e vive a doença. A boa disposição dela, o facto de estar sempre a sorrir aligeira o percurso dela nesta caminhada do transplante. Espera à uns anos, mas nunca perde a esperança. É incrível a força desta miúda. É o furacão da FQ.

A Julie é a coragem. Está agora no início deste longo processo e tomou a decisão do “Sim” aquela que todos tentamos adiar mas que quando chega o momento é inevitável. É o momento em que os médicos nos dizem “é agora” e nós nos atiramos de cabeça para a grande aventura que é o transplante pulmonar. Partilhamos esta fase tão importante, praticamente 20 anos depois de nos separarmos no Hospital Maria Pia, e muito mais virá por aí.

A vida deu-me estas dádivas: o doação dos órgãos do meu dador, o grande dia do meu transplante pulmonar e encontrar estes jovens que me fazem lutar todos os dias ainda com mais vontade.



sexta-feira, 15 de maio de 2020

Dia da Família: grupo do whatshap


Um título sugestivo de tantas outras famílias, períodos de confinamento e relações familiares através de vídeo chamada e mensagens nas redes sociais.

E hoje é a minha mais recente familia: invulgar, rara, cúmplice, divertida, inesquecível e surpreendente.
Um grupo de whatshap de jovens e familiares com Fibrose Quistica.
Sem nunca pensar, tornaram-se uma das minhas famílias e companhia do dia a dia nesta quarentena e que fazem parte da minha vida.

O mote inicial era a partilha de experiências, medicamentos, tratamentos, internamentos e ficaria por aí.
Estado actual: partilha de vida, dia a dia, medos, alegrias e de uma força incomparável.
Eu sou positiva, corajosa e lutadora. Mas perto deles? Eles são todos de uma coragem e uma luta, que diariamente me deixam sem palavras.
É tanto o que nos torna iguais mas ao mesmo tempo tanto nos difere. O crescimento está no que nos complementa.

Conheci imensos, reencontrei outros e recuperei conversas antigas. Uns amigos para a vida, outros motivações diárias para os treinos, outros alento para um novo dia e outros força para nunca deixar de acreditar que a felicidade é um dom nosso.

Todos têm um dom, mas em comum temos o especial de saber que estamos no mesmo barco e ninguém navega á frente de ninguém. Todos ao mesmo ritmo e sem deixar ninguém para trás.

Orgulho é o sentimento que tenho por todos eles! Cresço com as partilhas, motivo-me com as lutas de cada um e sou imensamente feliz por saber que existem.

Obrigada por tudo "maltinha gira".
Todos juntos é tudo tão mais fácil! Juntos vamos tão longe. 


domingo, 3 de maio de 2020

Feliz Dia para as Mães


    Este blogue é inundado de amor. Seja do que eu escrevo, do que vocês me enviam e das pessoas de quem falo cá.

    Hoje é inevitável falar da grande mulher da minha vida – a minha mãe.
    Ela é uma das maiores razões deste blogue ter um ar tão fresco e positivo. Defini-la é tão obvio e ao mesmo tempo tão complexo. É um ser incrível e lutador. É ela que me acompanhou sempre em tudo com a FQ, consultas, internamentos, noites mal dormidas, dias de má disposição, novos tratamentos, todo o processo do transplante, os quase 3 meses em Lisboa foi de mão dada com ela.
    Agradeço todos os dias por ter a Mãe que tenho. É um orgulho ter uma Mulher assim a tomar conta de mim, ainda hoje com 28 anos.

    Hoje é mais um dia para dizer ao Mundo o quanto gosto dela e o quão indispensável ela é para mim.
    Agradecer-lhe porque nunca me ter tratado com diferença e ter-me feito crescer naturalmente.
    
    Ela soube desde o primeiro segundo a dureza e a exigência desta doença e percebeu que tínhamos uma luta de imensos anos pela frente e não cruzou os braços a nada. Arregaçou as mangas e lutou ao meu lado de uma forma inacreditável. E percebeu a importância que as Mães e os Pais têm nesta luta.
    Nunca a ouvi a queixar-se, a dizer alguma coisa que não gostasse, que estava cansada de uma vida de casa e hospital e que já nem tempo tinha para ela. Passava mais de 12h no hospital ao meu lado e nunca disse não a um pedido meu. 
    Deixou a vida dela no mesmo segundo que nos ligaram de Lisboa para ir ao encontro do transplante e partilhamos o dia a dia durante meses. 
        
        Aos pais de todos os que têm FQ: Obrigada por tudo! Vocês também são uns guerreiros e estão incondicionalmente connosco.

    Um feliz Dia das Mães, a todas as que têm orgulho de o ser.




segunda-feira, 6 de abril de 2020

O orgulho de 11 anos depois do transplante pulmonar.


    19h! Neste momento revejo os meus pais e o meu irmão a sorrir, a disfarçar o medo e o nervosismo. Aquele momento poderia nunca mais acontecer! Mas o apertar de mão do Marco, como sinal de que tudo iria correr bem, era a nossa força. Ele acreditava tanto quanto eu.
Foi tão rápido: “Até já” , um sorriso e um aceno. Fecharam-se as portas. Eles do lado de fora com um misto de força e medo. Eu no bloco operatório a sorrir e a acreditar que ali estava a hora do meu novo começo. (ainda me arrepio a pensar nisto.)
    11! É sempre inacreditável cada ano que passa após o meu transplante bi-pulmonar.
11 anos se passaram e tantas coisas aconteceram.
    À pouco disseram-me que foi para esta conquista que lutei e que foi uma escolha minha viver e ser forte. Foram as palavras mais acertadas para o dia de hoje. A Fibrose não foi uma escolha minha, nasci com a doença e nada pude fazer para não a ter. Mas acreditar que conseguia vencer, acreditar que era capaz de ultrapassar todas as batalhas e que seria vencedora foi sim uma escolha minha. Escolha essa amparada pelo meu extraordinário marido, pela minha inacreditável família e amigos incríveis.
    A conquista do “acreditar que tudo irá correr bem” só foi possível porque sempre tive uma equipa médica que de uma forma imparável lutou sempre ao meu lado, com os melhores antibióticos, com os tratamentos mais acertados e uma dedicação extrema para que estivesse nas melhores condições possíveis de aguentar o transplante quando chegasse o grande dia!
    E assim foi! Hoje festejo um dos dias mais felizes, o dia em que a minha vida renasceu.
    É difícil explicar o que sinto quando penso que tantos anos já se passaram e que muitas foram as conquistas, mas também os medos e alguns retrocessos. Não é fácil saber gerir tudo isto, mas é tão fácil acreditar que merecemos ser felizes mesmo com a Fibrose Quística.
    Este blogue sempre se manteve ativo pela troca de experiências que sempre houve entre mim e os seguidores e já partilhei convosco histórias de pessoas inacreditáveis que conheci graças à doença. Este é o ponto em que a FQ não nos tira nada, mas dá-nos tanto. É na partilha de testemunhos que já ajudei muitos doentes a aceitar a FQ, a não rejeitar um transplante pulmonar e hoje particularmente, após ter sido criado um grupo especial só com doentes, familiares e equipas médicas da FQ, tenho um orgulho imenso de partilhar convosco duas pessoas, das muitas do grupo, que são um exemplo na nossa doença. Eles têm realidades muito diferentes da doença e ambos em lista de espera para transplante pulmonar, mas têm uma forma de encarar que nos deve encorajar a todos. 

    A Inês é um exemplo muito parecido comigo, uma jovem que se recusa a desistir de lutar, tem uma força de viver e revejo-me tanto na história dela. O avanço da doença e tudo o que diariamente tem de adaptar na sua jovem vida faz dela um exemplo de superação diária.

"Chamo-me Inês tenho 22 anos de Matosinhos.
Fui diagnosticada com Fibrose Quistica mal nasci, isto só aconteceu porque tive de ser operada ao intestino devido a uma obstrução horas após ter nascido, esse momento alterou a vida dos meus pais de maneiras que eles não estavam a espera.
Após esse acontecimento, só vim para casa com 6 meses. Mas era tão ativa e feliz não tinha nenhum sintoma da Fibrose Quistica, os meus pais até achavam estranho. A minha realidade desde pequena é tomar medicação sempre e não eram poucos comprimidos ainda juntava uma mãozinha. Comecei a fazer Ballet que era e é o que mais adorava fazer, e ajudava muito em termos pulmonares por ser uma atividade física muito exigente. Quando os meus médicos disseram aos meus pais que eu ia ter de deixar o ballet, por causa de ter inícios de osteoporose, deixar foi a coisa mais difícil que tive de fazer ballet estava no meu sangue e eu já fazia ballet à 10 anos. Depois de deixar o ballet tive a minha primeira crise pulmonar e tive de ficar internada.
Por causa dos internamentos que começavam a ser muitos e seguidos. comecei a concentrar as minhas energias a estudar, porque ajudava abstrair-me de estar fechada num quarto. Acabei por me apaixonar por ciências e arte.
Aos 15 ou 16 anos o meu pediatra disse que eu ia entrar para a lista de espera para o transplante, mas nesse momento estava na inativa. Não me lembro quando passei para a lista ativa mas devo estar nessa à 2 ou 3 anos. Um problema que eu tenho ligado a doença é má absorção de alimentos por isso tenho baixo peso e tenho tentado ao máximo ganhar peso, para ter um transplante mais seguro. A partir dos meus 18 anos os internamentos foram muito mais e com mais duração. As minhas bactérias estavam resistentes a quase todos os antibióticos já ia e vou na ultima etapa deles. Mas tinha altos e baixos por isso ou estava muito bem ou tinha uma recaída grande.
Aos meu 21 tive um pneumotórax, algo que nunca pensei que me fosse acontecer e quando penso nisso, parece que foi à tanto tempo. Foi um momento negro porque estive mesmo mal ao ponto de dizerem aos meus pais que eu estava mais para lá do que para cá. Tive de ser transferida para o São João para fazer um procedimento mas eles também não quiseram arriscar. Por isso a minha única solução era esperar e curar sozinha, estive 2 meses e meio no hospital a fazer repouso total, só pude vir para casa porque prometi a médica que ia parar um ano da faculdade. Passado mais dois meses de descanso consegui curar o que eles disseram que não ia conseguir. Neste momento estou bem mas tenho muito cuidado e resguardo-me bastante. Esta é a minha história.
Apesar da doença que tenho, continuo a sonhar. Todos conseguimos fazer o que pomos a nossa mente a pensar."

    O Luís é o verdadeiro exemplo de adaptação da doença. Diagnóstico tardio e viu-se do dia para a noite a mudar a vida dele. Mas se há algo que o caracteriza é o seu sorriso e vontade de viver. Tem uma garra capaz de virar o mundo e uma coragem de viver até que a doença o permita. É o meu parceiro das batalhas diárias da FQ e que diariamente aprendo com a sua vivência também. 

"Sou o Luís tenho 29 anos e tenho FQ, a minha história é um pouco diferente pois só descobri a doença em 2011, tinha eu 20 anos, a idade da chamada “loucura” aquela idade que todos gostamos de ter, porque começamos a ter a nossa independência, queremos fazer mil e uma coisa. Mas comigo foi tudo muito diferente,  tive que começar do zero. Sim porque a minha vida mudou completamente, não logo após eu saber da doença, porque ainda estive cerca de 7 anos a ser seguido numa especialidade de pneumologia no hospital de Penafiel, que não tinha aquele conhecimento da doença, não sabia a gravidade nem o que me poderia causar no futuro.
Desde aí a minha vida mudou um pouco, porque começaram a vir vários sintomas, mas continuei a minha vida como se não fosse uma coisa muito grave porque ninguém sabia esclarecer o que era mesmo a FQ. Isto ainda não é nada, só em 2018, cerca de 2 anos, foi aí que finalmente decidiram que eu iria ser seguido no hospital de São João, em FQ. Eu sem nada saber até á minha primeira consulta, pois na minha ideia iria dar continuidade ao que fazia no outro hospital, por isso até aí tranquilo, soft. Então chega a minha primeira consulta no meu “novo” hospital, não vou mentir sempre com nervosismo miudinho, e então desde aí a consulta durou imenso, conversamos eu contei tudo que tinha feito até aquele dia, e toda a gente ficou surpreendida, toda a gente olhava para mim, e eu sem saber o porquê, e o que se estava a passar. Surgiram várias perguntas da minha médica, enfermeira etc, e eu respondia e sempre aquelas caras de surpreendidas. Quando comecei a ouvir a minha nova médica, aquela que me iria seguir nesse hospital,  comecei logo a perceber que a minha doença era mais grave do que eu pensava, não fiquei logo esclarecido na primeira consulta, mas existe um pormenor que aconteceu nesse dia. A “ficha” começou a cair-me quando no final dessa mesma consulta eu tive que passar pela farmácia do São João, onde teria que ir buscar a minha medicação, onde eu no hospital anterior andei 7 anos da minha vida com uma bomba que se chama (formoterol) então chegou a minha vez, e a farmacêutica estava ir buscar imensa medicação, eu na minha inocência ainda perguntei se não estava enganada, mas sim aquela medicação era a minha mesmo, sai de lá com sacas cheias.  Depois nas próximas consultas vi e ouvi que essa doença não era grave, mas sim muito grave.
A partir desse dia, todos pensavam que eu iria a baixo, pois conhecer a realidade da FQ aos 27 anos não é fácil, porque temos que mudar radicalmente. Mas nunca fui a baixo, nunca mudei, nunca perdi o meu sorriso, mas acima de tudo nunca deixei de ser quem era, NUNCA. Tenho um enorme carinho por todos os profissionais de saúde na área de pneumologia do hospital de São João, para mim são uma família, desde médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde.
A FQ não mudou a minha vida, eu é que me adaptei a ela, porque jamais uma doença irá “mandar” em mim, mas sim eu é que vou lutar, e essa doença é quem tem que ir para onde eu quero, que é para o caminho do sucesso! Mas vamos ter calma, porque também tenho medos, sim ninguém é de ferro, e a parte que mais me assustei neste processo todo foi mesmo quando soube que teria que ir para uma lista de transplante! O choque foi muito grande. Chorei mas tão depressa me levantei e passado uma semana disse SIM a essa batalha, vamos em frente com tudo, se é o que me espera vamos lá.
Tive altos e baixos, como qualquer ser humano tinha, mas em 2020 conheci uma pessoa que é muito especial para mim, a Lipa, a nossa menina transplantada que me tem dado tanto, tem me dado tanta, mas tanta força neste processo, que o grande agradecimento que eu vou ter para com ela vai ser sem dúvida acordar daquele transplante e dizer-lhe “Eu consegui”.
Para finalizar quero deixar uma palavra a todos os doentes de FQ, nunca deixem de sonhar, tudo é possível, a nossa vontade de viver irá superar tudo! Da minha parte nada mudará, continuarei como sempre, sorriso nos lábios e com garra de ganhar a próxima batalha !!! Que será a derradeira etapa da minha vida."

em momentos de isolamento em vídeo chamada

    São estas partilhas que tornam a FQ especial e que tornam cada um de nós um exemplo de superação, garra e de como conseguimos sorrir e aprender a sermos felizes com uma doença rara e crónica.

    Obrigada por todo o vosso carinho, pelas vossas palavras.
    Um abraço à distância a todos os que de longe e de perto acompanham e continuam a dar-me força e a seguir a minha história.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

"O desejo infinito de voltar a abraçar os nossos amores"



Esta frase não será desconhecida por vocês certamente: 
"O desejo infinito de voltar a abraçar os nossos amores", que foi dita domingo no final do telejornal da TVI. 
Define na perfeição o que irá no coração de quase todos vós, que estão em quarentena tal como eu. 

Há duas semanas que estou em casa em isolamento com o meu marido. E isolamento forçado por ser doente de risco. Não saí nem da porta do apartamento. Ar puro, só na varanda e pouco tempo. 
Apesar de sempre sentir que o meu marido, a minha família e os meus amigos eram o meu pilar, nesta fase é inacreditável o vazio que sentimos quando não podemos tocar nos que mais amamos. 
Aqueles que estão sempre ao meu lado de mão dada para superar todas as dificuldades da Fibrose Quística, hoje têm de estar longe de mim para me proteger. 
A doença que há uns tempos era o motivo de eu sair de casa para ter força para mais um dia, hoje é essa mesma doença que me fez reeinventar dentro de casa como ter força e esperança que isto vai tudo correr bem e em algum tempo estarei lá fora a abraçar os que eu tanto amo. É gerir todas as notícias, a preocupação e o medo de poder ficar infectada.

O que sinto mais falta? Sentir o toque delas. Eu, que passo a vida a abraçar os que amo, hoje estou privada disso. 
A maior prova de amor entre nós é a forma incrível como reformulamos o conceito de amor dos abraços, no amor das video chamadas, no amor das mensagens, mas nunca perdendo a força e o sentimento genuíno.
A preocupação diária de saber se os nossos continuam bem como "ontem", como tentamos colmatar a falta da presença, as conversas longas ao telefone e os risos que encobrem a saudade de voltar a ficar juntos e dizermos "Correu tudo bem". 

Nós doentes de Fibrose Quística e transplantados, já temos a arte de nos reinventar em todas as situações, sejam elas falta de ar, falta de força no corpo, sentir que o organismo não corresponde ao que queremos, quando sentimos medo do dia "de hoje" e receamos o que virá no "de amanhã". E esta fase somos novamente todos colocados a mais uma prova. Como sairemos? Vencedores e ainda mais fortes. 

O que melhor podemos fazer agora é estarmos distantes dos nossos, só assim os vamos proteger. Assim, provaremos mais uma vez que os amamos de verdade.
São tempos de reformularmos os conceitos. É tempo de mudança da fórmula básica do amor. 

A nossa capacidade vai muito além de um toque. A nossa troca de olhares e sorrisos é hoje a forma mais bonita de amar.

Olhem-se, sorriam-se e amem-se.


sábado, 29 de fevereiro de 2020

Dia Mundial das Doenças Raras

    Dia 29 de Fevereiro é vivido de quatro em quatro anos. É raro.
    A Fibrose Quística, uma doença respiratória, genética, crónica e degenerativa é vivida todos os segundos, todos os dias. É rara.

    Todos os anos nascem em Portugal cerca de 30 a 40 crianças com esta doença. E em 1991 fui uma das contempladas a nascer com esta doença.

    Ser uma doente rara é a sorte de ter uma família incrível e os amigos mais fiéis. É saber que tudo o que me acontecer, não passarei por isso isolada. Também todos eles são raros. Eles são os heróis que me dão toda a força e coragem diárias para ultrapassar todos os obstáculos nestes 28 anos. E que 28 anos recheados!
Aprendi desde sempre os meus limites. E a alguns que me eram impostos aprendi a transpô-los com segurança.
    Como é viver sabendo que sou uma “raridade” no que toca à Fibrose Quística? É reformular o conceito de “ser feliz”. Sou muito feliz mas em circunstâncias diferentes de quem não tem a doença. É gerir essa felicidade com quarenta comprimidos diários e com horários que não posso falhar. É gerir a vida ao segundo, porque estudos dizem que a esperança de vida está marcada com uma idade precoce. É gerir, por exemplos, locais para onde vou porque poderá ser um ambiente potencialmente contaminado e isso me trará problemas. É saber organizar tudo isto quando tenho um namorado e também ele tem de organizar-se. É em idade adulta gerir a questão da impossibilidade de ser mãe biológica perante a sociedade. Mas também é acreditar que o dia de amanhã é melhor, o que aconteceu hoje não acontecerá amanhã e numa esperança a longo prazo alcançar uma possível cura. Mesmo que essa cura já não seja para mim, o seja para as gerações futuras.
    
    As maiores lutas que a doença me deu foram: gerir o pouquíssimo oxigénio que o organismo tinha e aguentar-me viva até ao transplante. Não conseguir falar um minuto sem parar, não conseguir tomar banho sem ter de fazer várias pausas, deixar de ter capacidade para andar num espaço de nem um ano. A cor da pele ficar arroxeada devido à falta de oxigénio e sentir literalmente o corpo a não corresponder aos estímulos da vida.
    Consegui tanta força, não sei bem de onde, para me aguentar. Para aguentar o meu coração e os pulmões suportáveis para o transplante. Saber que a vida estava por um fio, mas um fio muito fino e nada resistente. Até ao mágico e inexplicável dia do transplante pulmonar. A FQ dá-nos uma noção da vida e do fim dela inacreditável. É assim que nos agarramos a tudo para que a vida se prolongue. O transplante era o início de uma nova vida, mas havia a grande probabilidade de ser o fim de uma vida que tinha sido muito feliz. E é a melhor sensação que tenho. Acabe quando acabar a minha vida, será sempre uma vida apaixonada, intensamente vivida e feliz.
    
    Cada respiração é uma bênção. Já sentiram os vossos pulmões a encher? Sentiram o vosso pulmão a mexer com a inspiração do ar? Parem e façam essa experiência. É a certeza mais mágica que estamos vivos!

    Com 28 anos sou transplantada pulmonar, empresária, catequista, ativa no associativismo, amiga de pessoas incríveis, feliz, orgulhosa das minhas conquistas e sonhadora.
    Quão é bom viver neste Mundo.

 O quão é bom passar por tudo isto e dizer: “Estou viva e feliz”.