sábado, 29 de fevereiro de 2020

Dia Mundial das Doenças Raras

    Dia 29 de Fevereiro é vivido de quatro em quatro anos. É raro.
    A Fibrose Quística, uma doença respiratória, genética, crónica e degenerativa é vivida todos os segundos, todos os dias. É rara.

    Todos os anos nascem em Portugal cerca de 30 a 40 crianças com esta doença. E em 1991 fui uma das contempladas a nascer com esta doença.

    Ser uma doente rara é a sorte de ter uma família incrível e os amigos mais fiéis. É saber que tudo o que me acontecer, não passarei por isso isolada. Também todos eles são raros. Eles são os heróis que me dão toda a força e coragem diárias para ultrapassar todos os obstáculos nestes 28 anos. E que 28 anos recheados!
Aprendi desde sempre os meus limites. E a alguns que me eram impostos aprendi a transpô-los com segurança.
    Como é viver sabendo que sou uma “raridade” no que toca à Fibrose Quística? É reformular o conceito de “ser feliz”. Sou muito feliz mas em circunstâncias diferentes de quem não tem a doença. É gerir essa felicidade com quarenta comprimidos diários e com horários que não posso falhar. É gerir a vida ao segundo, porque estudos dizem que a esperança de vida está marcada com uma idade precoce. É gerir, por exemplos, locais para onde vou porque poderá ser um ambiente potencialmente contaminado e isso me trará problemas. É saber organizar tudo isto quando tenho um namorado e também ele tem de organizar-se. É em idade adulta gerir a questão da impossibilidade de ser mãe biológica perante a sociedade. Mas também é acreditar que o dia de amanhã é melhor, o que aconteceu hoje não acontecerá amanhã e numa esperança a longo prazo alcançar uma possível cura. Mesmo que essa cura já não seja para mim, o seja para as gerações futuras.
    
    As maiores lutas que a doença me deu foram: gerir o pouquíssimo oxigénio que o organismo tinha e aguentar-me viva até ao transplante. Não conseguir falar um minuto sem parar, não conseguir tomar banho sem ter de fazer várias pausas, deixar de ter capacidade para andar num espaço de nem um ano. A cor da pele ficar arroxeada devido à falta de oxigénio e sentir literalmente o corpo a não corresponder aos estímulos da vida.
    Consegui tanta força, não sei bem de onde, para me aguentar. Para aguentar o meu coração e os pulmões suportáveis para o transplante. Saber que a vida estava por um fio, mas um fio muito fino e nada resistente. Até ao mágico e inexplicável dia do transplante pulmonar. A FQ dá-nos uma noção da vida e do fim dela inacreditável. É assim que nos agarramos a tudo para que a vida se prolongue. O transplante era o início de uma nova vida, mas havia a grande probabilidade de ser o fim de uma vida que tinha sido muito feliz. E é a melhor sensação que tenho. Acabe quando acabar a minha vida, será sempre uma vida apaixonada, intensamente vivida e feliz.
    
    Cada respiração é uma bênção. Já sentiram os vossos pulmões a encher? Sentiram o vosso pulmão a mexer com a inspiração do ar? Parem e façam essa experiência. É a certeza mais mágica que estamos vivos!

    Com 28 anos sou transplantada pulmonar, empresária, catequista, ativa no associativismo, amiga de pessoas incríveis, feliz, orgulhosa das minhas conquistas e sonhadora.
    Quão é bom viver neste Mundo.

 O quão é bom passar por tudo isto e dizer: “Estou viva e feliz”.