segunda-feira, 6 de abril de 2020

O orgulho de 11 anos depois do transplante pulmonar.


    19h! Neste momento revejo os meus pais e o meu irmão a sorrir, a disfarçar o medo e o nervosismo. Aquele momento poderia nunca mais acontecer! Mas o apertar de mão do Marco, como sinal de que tudo iria correr bem, era a nossa força. Ele acreditava tanto quanto eu.
Foi tão rápido: “Até já” , um sorriso e um aceno. Fecharam-se as portas. Eles do lado de fora com um misto de força e medo. Eu no bloco operatório a sorrir e a acreditar que ali estava a hora do meu novo começo. (ainda me arrepio a pensar nisto.)
    11! É sempre inacreditável cada ano que passa após o meu transplante bi-pulmonar.
11 anos se passaram e tantas coisas aconteceram.
    À pouco disseram-me que foi para esta conquista que lutei e que foi uma escolha minha viver e ser forte. Foram as palavras mais acertadas para o dia de hoje. A Fibrose não foi uma escolha minha, nasci com a doença e nada pude fazer para não a ter. Mas acreditar que conseguia vencer, acreditar que era capaz de ultrapassar todas as batalhas e que seria vencedora foi sim uma escolha minha. Escolha essa amparada pelo meu extraordinário marido, pela minha inacreditável família e amigos incríveis.
    A conquista do “acreditar que tudo irá correr bem” só foi possível porque sempre tive uma equipa médica que de uma forma imparável lutou sempre ao meu lado, com os melhores antibióticos, com os tratamentos mais acertados e uma dedicação extrema para que estivesse nas melhores condições possíveis de aguentar o transplante quando chegasse o grande dia!
    E assim foi! Hoje festejo um dos dias mais felizes, o dia em que a minha vida renasceu.
    É difícil explicar o que sinto quando penso que tantos anos já se passaram e que muitas foram as conquistas, mas também os medos e alguns retrocessos. Não é fácil saber gerir tudo isto, mas é tão fácil acreditar que merecemos ser felizes mesmo com a Fibrose Quística.
    Este blogue sempre se manteve ativo pela troca de experiências que sempre houve entre mim e os seguidores e já partilhei convosco histórias de pessoas inacreditáveis que conheci graças à doença. Este é o ponto em que a FQ não nos tira nada, mas dá-nos tanto. É na partilha de testemunhos que já ajudei muitos doentes a aceitar a FQ, a não rejeitar um transplante pulmonar e hoje particularmente, após ter sido criado um grupo especial só com doentes, familiares e equipas médicas da FQ, tenho um orgulho imenso de partilhar convosco duas pessoas, das muitas do grupo, que são um exemplo na nossa doença. Eles têm realidades muito diferentes da doença e ambos em lista de espera para transplante pulmonar, mas têm uma forma de encarar que nos deve encorajar a todos. 

    A Inês é um exemplo muito parecido comigo, uma jovem que se recusa a desistir de lutar, tem uma força de viver e revejo-me tanto na história dela. O avanço da doença e tudo o que diariamente tem de adaptar na sua jovem vida faz dela um exemplo de superação diária.

"Chamo-me Inês tenho 22 anos de Matosinhos.
Fui diagnosticada com Fibrose Quistica mal nasci, isto só aconteceu porque tive de ser operada ao intestino devido a uma obstrução horas após ter nascido, esse momento alterou a vida dos meus pais de maneiras que eles não estavam a espera.
Após esse acontecimento, só vim para casa com 6 meses. Mas era tão ativa e feliz não tinha nenhum sintoma da Fibrose Quistica, os meus pais até achavam estranho. A minha realidade desde pequena é tomar medicação sempre e não eram poucos comprimidos ainda juntava uma mãozinha. Comecei a fazer Ballet que era e é o que mais adorava fazer, e ajudava muito em termos pulmonares por ser uma atividade física muito exigente. Quando os meus médicos disseram aos meus pais que eu ia ter de deixar o ballet, por causa de ter inícios de osteoporose, deixar foi a coisa mais difícil que tive de fazer ballet estava no meu sangue e eu já fazia ballet à 10 anos. Depois de deixar o ballet tive a minha primeira crise pulmonar e tive de ficar internada.
Por causa dos internamentos que começavam a ser muitos e seguidos. comecei a concentrar as minhas energias a estudar, porque ajudava abstrair-me de estar fechada num quarto. Acabei por me apaixonar por ciências e arte.
Aos 15 ou 16 anos o meu pediatra disse que eu ia entrar para a lista de espera para o transplante, mas nesse momento estava na inativa. Não me lembro quando passei para a lista ativa mas devo estar nessa à 2 ou 3 anos. Um problema que eu tenho ligado a doença é má absorção de alimentos por isso tenho baixo peso e tenho tentado ao máximo ganhar peso, para ter um transplante mais seguro. A partir dos meus 18 anos os internamentos foram muito mais e com mais duração. As minhas bactérias estavam resistentes a quase todos os antibióticos já ia e vou na ultima etapa deles. Mas tinha altos e baixos por isso ou estava muito bem ou tinha uma recaída grande.
Aos meu 21 tive um pneumotórax, algo que nunca pensei que me fosse acontecer e quando penso nisso, parece que foi à tanto tempo. Foi um momento negro porque estive mesmo mal ao ponto de dizerem aos meus pais que eu estava mais para lá do que para cá. Tive de ser transferida para o São João para fazer um procedimento mas eles também não quiseram arriscar. Por isso a minha única solução era esperar e curar sozinha, estive 2 meses e meio no hospital a fazer repouso total, só pude vir para casa porque prometi a médica que ia parar um ano da faculdade. Passado mais dois meses de descanso consegui curar o que eles disseram que não ia conseguir. Neste momento estou bem mas tenho muito cuidado e resguardo-me bastante. Esta é a minha história.
Apesar da doença que tenho, continuo a sonhar. Todos conseguimos fazer o que pomos a nossa mente a pensar."

    O Luís é o verdadeiro exemplo de adaptação da doença. Diagnóstico tardio e viu-se do dia para a noite a mudar a vida dele. Mas se há algo que o caracteriza é o seu sorriso e vontade de viver. Tem uma garra capaz de virar o mundo e uma coragem de viver até que a doença o permita. É o meu parceiro das batalhas diárias da FQ e que diariamente aprendo com a sua vivência também. 

"Sou o Luís tenho 29 anos e tenho FQ, a minha história é um pouco diferente pois só descobri a doença em 2011, tinha eu 20 anos, a idade da chamada “loucura” aquela idade que todos gostamos de ter, porque começamos a ter a nossa independência, queremos fazer mil e uma coisa. Mas comigo foi tudo muito diferente,  tive que começar do zero. Sim porque a minha vida mudou completamente, não logo após eu saber da doença, porque ainda estive cerca de 7 anos a ser seguido numa especialidade de pneumologia no hospital de Penafiel, que não tinha aquele conhecimento da doença, não sabia a gravidade nem o que me poderia causar no futuro.
Desde aí a minha vida mudou um pouco, porque começaram a vir vários sintomas, mas continuei a minha vida como se não fosse uma coisa muito grave porque ninguém sabia esclarecer o que era mesmo a FQ. Isto ainda não é nada, só em 2018, cerca de 2 anos, foi aí que finalmente decidiram que eu iria ser seguido no hospital de São João, em FQ. Eu sem nada saber até á minha primeira consulta, pois na minha ideia iria dar continuidade ao que fazia no outro hospital, por isso até aí tranquilo, soft. Então chega a minha primeira consulta no meu “novo” hospital, não vou mentir sempre com nervosismo miudinho, e então desde aí a consulta durou imenso, conversamos eu contei tudo que tinha feito até aquele dia, e toda a gente ficou surpreendida, toda a gente olhava para mim, e eu sem saber o porquê, e o que se estava a passar. Surgiram várias perguntas da minha médica, enfermeira etc, e eu respondia e sempre aquelas caras de surpreendidas. Quando comecei a ouvir a minha nova médica, aquela que me iria seguir nesse hospital,  comecei logo a perceber que a minha doença era mais grave do que eu pensava, não fiquei logo esclarecido na primeira consulta, mas existe um pormenor que aconteceu nesse dia. A “ficha” começou a cair-me quando no final dessa mesma consulta eu tive que passar pela farmácia do São João, onde teria que ir buscar a minha medicação, onde eu no hospital anterior andei 7 anos da minha vida com uma bomba que se chama (formoterol) então chegou a minha vez, e a farmacêutica estava ir buscar imensa medicação, eu na minha inocência ainda perguntei se não estava enganada, mas sim aquela medicação era a minha mesmo, sai de lá com sacas cheias.  Depois nas próximas consultas vi e ouvi que essa doença não era grave, mas sim muito grave.
A partir desse dia, todos pensavam que eu iria a baixo, pois conhecer a realidade da FQ aos 27 anos não é fácil, porque temos que mudar radicalmente. Mas nunca fui a baixo, nunca mudei, nunca perdi o meu sorriso, mas acima de tudo nunca deixei de ser quem era, NUNCA. Tenho um enorme carinho por todos os profissionais de saúde na área de pneumologia do hospital de São João, para mim são uma família, desde médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde.
A FQ não mudou a minha vida, eu é que me adaptei a ela, porque jamais uma doença irá “mandar” em mim, mas sim eu é que vou lutar, e essa doença é quem tem que ir para onde eu quero, que é para o caminho do sucesso! Mas vamos ter calma, porque também tenho medos, sim ninguém é de ferro, e a parte que mais me assustei neste processo todo foi mesmo quando soube que teria que ir para uma lista de transplante! O choque foi muito grande. Chorei mas tão depressa me levantei e passado uma semana disse SIM a essa batalha, vamos em frente com tudo, se é o que me espera vamos lá.
Tive altos e baixos, como qualquer ser humano tinha, mas em 2020 conheci uma pessoa que é muito especial para mim, a Lipa, a nossa menina transplantada que me tem dado tanto, tem me dado tanta, mas tanta força neste processo, que o grande agradecimento que eu vou ter para com ela vai ser sem dúvida acordar daquele transplante e dizer-lhe “Eu consegui”.
Para finalizar quero deixar uma palavra a todos os doentes de FQ, nunca deixem de sonhar, tudo é possível, a nossa vontade de viver irá superar tudo! Da minha parte nada mudará, continuarei como sempre, sorriso nos lábios e com garra de ganhar a próxima batalha !!! Que será a derradeira etapa da minha vida."

em momentos de isolamento em vídeo chamada

    São estas partilhas que tornam a FQ especial e que tornam cada um de nós um exemplo de superação, garra e de como conseguimos sorrir e aprender a sermos felizes com uma doença rara e crónica.

    Obrigada por todo o vosso carinho, pelas vossas palavras.
    Um abraço à distância a todos os que de longe e de perto acompanham e continuam a dar-me força e a seguir a minha história.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

"O desejo infinito de voltar a abraçar os nossos amores"



Esta frase não será desconhecida por vocês certamente: 
"O desejo infinito de voltar a abraçar os nossos amores", que foi dita domingo no final do telejornal da TVI. 
Define na perfeição o que irá no coração de quase todos vós, que estão em quarentena tal como eu. 

Há duas semanas que estou em casa em isolamento com o meu marido. E isolamento forçado por ser doente de risco. Não saí nem da porta do apartamento. Ar puro, só na varanda e pouco tempo. 
Apesar de sempre sentir que o meu marido, a minha família e os meus amigos eram o meu pilar, nesta fase é inacreditável o vazio que sentimos quando não podemos tocar nos que mais amamos. 
Aqueles que estão sempre ao meu lado de mão dada para superar todas as dificuldades da Fibrose Quística, hoje têm de estar longe de mim para me proteger. 
A doença que há uns tempos era o motivo de eu sair de casa para ter força para mais um dia, hoje é essa mesma doença que me fez reeinventar dentro de casa como ter força e esperança que isto vai tudo correr bem e em algum tempo estarei lá fora a abraçar os que eu tanto amo. É gerir todas as notícias, a preocupação e o medo de poder ficar infectada.

O que sinto mais falta? Sentir o toque delas. Eu, que passo a vida a abraçar os que amo, hoje estou privada disso. 
A maior prova de amor entre nós é a forma incrível como reformulamos o conceito de amor dos abraços, no amor das video chamadas, no amor das mensagens, mas nunca perdendo a força e o sentimento genuíno.
A preocupação diária de saber se os nossos continuam bem como "ontem", como tentamos colmatar a falta da presença, as conversas longas ao telefone e os risos que encobrem a saudade de voltar a ficar juntos e dizermos "Correu tudo bem". 

Nós doentes de Fibrose Quística e transplantados, já temos a arte de nos reinventar em todas as situações, sejam elas falta de ar, falta de força no corpo, sentir que o organismo não corresponde ao que queremos, quando sentimos medo do dia "de hoje" e receamos o que virá no "de amanhã". E esta fase somos novamente todos colocados a mais uma prova. Como sairemos? Vencedores e ainda mais fortes. 

O que melhor podemos fazer agora é estarmos distantes dos nossos, só assim os vamos proteger. Assim, provaremos mais uma vez que os amamos de verdade.
São tempos de reformularmos os conceitos. É tempo de mudança da fórmula básica do amor. 

A nossa capacidade vai muito além de um toque. A nossa troca de olhares e sorrisos é hoje a forma mais bonita de amar.

Olhem-se, sorriam-se e amem-se.